ELSON MEIRA

Aragão: a rua em que vivi 
por Elson Meira 
em RECREIO,MINAS

Para ele a vida é uma mentira

                                                                                          por Elson Meira



Lembro-me de um senhor de barba grisalha que aparentava uns setenta anos e que ainda mora em uma cidade, vamos por assim dizer que não é uma metrópole, mas  que é bem grande. Muitos edifícios de vários andares dispostos e enfileirados em ambos os lados... Muita gente que passa nas ruas do centro o dia todo, carros... muitos carros e ônibus que circulam e ficam superlotados na parte da manhã, à tarde e à noite.

Conheci esse senhor e quase sempre o encontro na rua, ou o vejo em algum botequim, ou em um restaurante de comida barata, quando visito sua cidade. Apesar de o ver nestes lugares, nunca o vejo bêbado.

Também não aparentava em ser um ignorante, pois ele demonstrava ter entendimento de muitas coisas nas conversas que travava com outras pessoas.  "Deve ser um aposentado vivendo com o seu mísero salário , assim pensava, e ao que tudo indica vive sozinho em um quarto num sobrado de arquitetura do século passado e bastante desgastado e velho". 

Não andava bem vestido, quase maltrapilho de sapatos velho, quase sempre com a mesma roupa.

Um dia eu estava sentado num banco da praça principal da cidade, esperando por minha namorada. Abri o jornal para ler um pouco as últimas notícias. Eis que esse senhor chega e senta-se ao meu lado. Notei as suas mãos trêmulas e voz rouca. Perguntou-me pelas horas. Olhei para o relógio e informei as horas. Perguntou se eu tinha um cigarro e mesmo com a resposta negativa continuou sentado e quis puxar uma conversa. Perguntei então onde morava e ele me falou que era num quarto de sobrado ali por perto.
Estava mesmo disposto a falar, o que me surpreendeu, pois não tinha intimidade com ele. E ele me disse: “O que sou hoje, não é o que eu era no passado”. E concluiu: “a vida é uma mentira, uma mentira que se vive a cada dia”. O que ele me disse me deixou pensativo e intrigado. Quis perguntar o que o levava a ter aquele julgamento da vida. Não quis justificar o seu pensamento mas se abriu comigo.

Contou-me que fora casado, que tinha família, filhos, um bom emprego, carro e alguns bens econômicos, mas a vida tem seus reveses. E os reveses têm nome: bebidas, atração desenfreadas por outras mulheres, uma vida um tanto anormal que vivia.  " Por causa desse descontrole, acontecem as brigas em casa; a mulher te abandona e tudo desmorona; os filhos sempre viram as costas; tem que se dividir os bens; as outras mulheres só querem ter boa vida e quando percebem que você não tem mais dinheiro te deixam". E ele continuou dizendo que o emprego bom que tinha acabara e teve que trabalhar em outros em que o salário era bem menor. "A vida e o tempo passaram e quando acordei, vi que estava velho e não havia mais retorno" , disse ele. Levantou-se do banco e disse obrigado por tê-lo escutado. "É como se fosse um lamento, um desabafo", afirmou. E concluiu: "ontem eu era real, hoje sou irreal na  existência da vida". 

"É meu jovem rapaz, a vida é uma mentira, uma mentira que se vive a cada dia”. Despediu-se de mim indo embora.  Fiquei olhando até ele sumir no meio da multidão.

Confesso que fiquei sem entender o que ele me disse naquele momento e comecei a pensar no que leva uma pessoa a se julgar desse modo. È como se a vida estivesse próxima de acabar ou uma simples conclusão de impotência que o fez reverter àquela situação em que se encontrava. Talvez seja o desgosto pela vida e por sua vida miserável. Acho também que a falta de convívio e solidão torna um fardo pesado demais. Não ter com quem conversar, não ter amigos ou não poder frequentar melhores lugares que nos preenchem os vazios, acabamos ficando à margem de tudo na sociedade, contribuindo para acabar com a nossa auto-estima.

triste que isso aconteça com as pessoas, mas a realidade é essa que existe em  todo  lugar. Eis que a minha namorada chega e me vê com um semblante triste e me pergunta: "O que houve?"
"Nada! Foi apenas uma conversa que tive com um senhor."
 "É, vamos embora!" 

E assim fui com ela, mas aquela conversa não me sai da cabeça, sinto que alguma coisa se modificou em mim.


10ª SEMANA DA CULTURA EM VOLTA GANDE,MG


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